Por: Tatiana Lazzarotto Jornalista | Escritora | Pesquisadora |Mestranda em Estudos Culturais na EACH-USP (escrita em 26 de novembro de 2019)

Resolvi fazer uma aula experimental (mais uma!) de yoga perto de casa. De tantas experimentais que já fiz, posso dizer que tenho alguma noção sobre a prática, embora flexibilidade e coordenação não tenha nenhuma. Logo que cheguei, cumprimentei os colegas e me posicionei no fundão da sala, atestando que era aluna nova e não queria expor meus movimentos ainda desajeitados.

Ao meu lado, uma mulher de uns 40 e poucos anos conversava com um colega e reclamava das pedras nos rins. "Mas você não tirou?". "Ah, ainda tem algumas aqui e me incomodam". Dava para ver que os dois já faziam a aula há algum tempo, mas ela explicava alguma coisa sobre as faltas recentes. Devia ser por conta das pedras.

A aula começou e o professor disse que seria uma prática tranquila, mesmo assim, alguns exercícios exigiam bastante de uma iniciante como eu. A mulher ao meu lado começou a desfiar suas reclamações. Ao menor movimento mais difícil, que exigia flexibilidade ou coordenação, ela buscava alguém para se queixar. Começou comigo. Sempre que se desequilibrava ou não conseguia alcançar as pernas como o professor orientava, ela fazia uns grunhidos. "Chega, muito difícil", "ah, não ninguém consegue". Percebi que ela falava diretamente pra mim, como que exigindo cumplicidade. Eu, que já tenho dificuldade de praticar yoga prestando total atenção ao que faço, decidi dar sinais de que não estava ouvindo.

Ela passou a aula inteira se lamuriando. Quando alguém próximo se desequilibrava, ela logo falava. "Ah lá, lá, viu? Muito difícil isso", "não tô conseguindo também", "não, não dá". As pessoas logo voltavam às tentativas, cada uma era a oportunidade de avançar um pouco mais. Juro que a peguei cutucando um colega para ver os fracassos da galera fazendo a invertida. Se alguém conseguia, ela se remexia: "uau, hein. Eu mesma nem vou tentar".

Terminou a aula e, como era de se esperar, ela acabou se queixando da aula, das dores. Quando alguém dava um sorriso de cumplicidade, ela arrematava: "não foi difícil? Foi, né?".

Penso que o que ela fez na aula muita gente faz na vida. Achar que sua experiência individual equivale à totalidade das experiências do grupo, senão da humanidade. Certa de que seu resultado estava aquém, ela queria se certificar de que não era apenas um fracasso seu. Queria se justificar do porquê não tinha conseguido, mas não só. Era preciso reforçar que o problema estava na aula, no professor, nos exercícios puxados demais.

Minha colega na aula de yoga é um exemplar que se reproduz em outras esferas. Quando você acha que sua experiência individual explica o mundo, é comum, depois de um fracasso no casamento, por exemplo, dizer que o problema está na instituição casamento (que tem, sim, várias questões culturais problemáticas, principalmente para as mulheres) e não na experiência individual do casal. Ignora-se que tem gente feliz sim e beleza. É a escolha de cada um. Ignora-se também que nem sempre o que acontece com você é uma regra.

Perde-se a chance de perceber que, poxa, se essa experiência foi ruim, pode ter outra melhor, trocando-se os dados. Ou mesmo, caso decida ignorar solenemente este caminho, é uma possibilidade sim, porque casar - como vários outros exemplos na vida - é só uma entre tantas escolhas. Se você quiser deixar isso pra lá, tá tudo bem. Tá tudo bem, mesmo.

Nem todo mundo é obrigado a seguir a mesma cartilha. E todo mundo pode ouvir as dificuldades do outro, as derrotas do outro, os fracassos do outro, sem escutar de forma totalizante como isso é ruim.

A colega do yoga falava com tanta veemência sobre as dificuldades da aula que era incapaz de ouvir a experiência de alguém do grupo se ela fosse diferente. Era como se fosse um filtro, só se escuta o que vai ao encontro da sua opinião. E é difícil mesmo dialogar ouvindo a outra cravejar que "não, não dá", "é impossível colocar o pé na cabeça", "é difícil", como alguém que coloca as mãos no ouvido e diz lálálálá. As queixas em voz alta eram uma tentativa de mostrar que a comparação com os outros colegas a machucava. Claro que machuca, o ideal é que essa comparação (que ela mesma criou) nem exista. Creio que, tirando o nado sincronizado, não tem problema nenhum dos resultados em uma turma serem diferentes. Cada caminho de evolução é único e, se a comparação tiver que existir, que seja com você mesmo ontem, ou com você mesmo seis meses atrás.

Quem se vale dessa característica totalizante perde a oportunidade de ensinar, aprender. Mais vale atestar que sua experiência é a que define tudo. É como aquela pessoa que fez intercâmbio e odiou, aí te deixa extremamente sem graça em contar que está de partida. Ou mesmo que já trabalhou na função para onde você conseguiu um novo emprego e não consegue te dar parabéns ou ouvir de coração a sua experiência, porque com ela foi diferente. Se para ela foi ruim, para ninguém mais dará certo.

Não é difícil, é só tentar dizer algo como: "comigo foi assim, quem sabe você pode tomar cuidado com isso e isso, fica esperta para não repetir esse erro (vai que você tem um conselho legal para inserir aqui). Mas eu torço para que com você seja bem melhor". Só que tem que torcer mesmo, de verdade.

Seria mais fácil eu terminar dizendo que pessoas assim são tóxicas ou que é preciso afastar-se delas. Mas não dá. Vez ou outra todo mundo (incluindo eu e você) cai nessa. Penso que é uma arma própria do ser humano, a de se defender quando algo não vai bem e tentar, ao invés de olhar para si, atacar o entorno. Colocar o foco da dificuldade na escolha, não nas variáveis. É difícil segurar as pontas quando se teve uma experiência difícil, porque a gente associa isso a um fracasso. E não é. Como é que a gente vai saber que não queremos aquilo se nunca experimentarmos? Não seria mais fácil experimentarmos todos?

Penso que seria mais fácil a gente entender a vida como um trajeto cheio de encruzilhadas e, caso a gente desista ir por um caminho, tem outra pessoa que pode segui-lo. Às vezes você acha que errou e volta, aí avisa quem tá vindo atrás de você que tá tudo errado, sem saber que o caminho da pessoa é aquele mesmo. Se você desistir de colocar o pé na cabeça, dá para segurar peso no crossfit, ou mesmo caminhar no parque, sem demonizar a aula de yoga, porque tem muita gente a fim de fazer a invertida. E tá tudo bem. Tá tudo bem mesmo.

12 de maio de 2020 — Caroline Alves

Comentários

VANESSA LAZZARON SCHEEREN:

Texto maravilhoso! Parabéns!

Mariah:

Muito real!! Adorei !! 👏🏻👏🏻

Veronica :

Muito bom! 👏🏼👏🏼

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